VOCAÇÃO NA COSMOVISÃO CALVINISTA.
INTRODUÇÃO
Você sabe para que foi criado, e, qual é sua vocação?
A palavra vocação é tão usada, quanto mal interpretada. No que diz respeito à vocação para salvação há os que acreditam que ela é fruto do assentimento do ser humano e que ele por si só pode achega-se a Deus. No que se refere ao chamado para o ministério, há os que se autor intitulam pastores, apóstolos e profetas sem nenhuma convicção interna e externa, do chamado divino. E por fim há os que pensam que pelo fato de desempenharem um serviço secular não foram chamados para cumprir sua missão entre os homens.
Entretanto Deus não nos criou por acaso, nós não existimos apenas por existir. Há propósito de Deus para nossa passagem pela terra. Primeiro Ele nos chamou eficazmente e irresistivelmente para fazermos parte de seu povo eleito em Cristo. Segundo ele vocaciona a todos os eleitos. Não podemos pensar que os chamados são apenas pastores ou missionários. Todos os crentes são chamados para servirem ao senhor com os seus dons e talentos, nos diversos mistérios da igreja, e, nas diversas profissões seculares. Tanto um pastor como, um médico pode servir a Deus através de suas profissões, mesmo que distintas. [1]
O objetivo deste trabalho é analisar e esclarecer ainda que resumidamente, a vocação, dentro de uma cosmovisão calvinista, tendo como base “As Institutas da Religião Cristã” de João Calvino e o seu pensamento interpretado por Biéler no livro “O pensamento Econômico e Social de Calvino”.
VOCAÇÃO NA COSMOVISÃO CALVINISTA
1. Vocação geral e a especial
Há duas espécies distintas da vocação: A Geral ou universal e vocação particular.[2] A primeira diz respeito à vocação exterior de Deus que é chamado de todos os seres humanos, através da pregação do evangelho. Esta vocação é ouvida audivelmente tanto pelos eleitos como pelos não-eleitos. A segunda diz respeito ao chamado especial dos eleitos, e ela se refere ao poder criador de Deus pelo qual somos conduzidos à vida espiritual de forma irresistível. [3] Sobre isso Calvino diz: “Ora, há a vocação universal, pela qual, mediante a pregação externa da Palavra, Deus convida a si a todos igualmente, ainda aqueles aos quais a propõe como aroma de morte [2Co 2.16] e matéria da mais grave condenação. A outra é a vocação especial, da qual digna ordinária e somente aos fiéis, enquanto pela iluminação interior de seu Espírito faz com que a Palavra pregada se lhes assente no coração”. [4]
Aqui nos ateremos à especial ou especifica. A vocação especial ou eficaz refere-se ao chamado de Deus que por seu soberano poder e motivado unicamente por sua graça, chama aqueles que são seus, e, isso faz não segundo nossas obras, mas segundo seu próprio propósito e graça que nos deu em Cristo Jesus antes da fundação do mundo. E segundo Calvino “O Fundamento de nossa vocação é a eleição divina gratuita pela qual fomos ordenados para a vida antes que fôssemos nascidos. [e que] Desse fato depende nossa vocação, nossa fé, a concretização de nossa salvação”. [5] E ainda que nessa vocação “nada dever-se buscar, exceto a graciosa misericórdia de Deus”. [6]
A vocação eficaz é a obra secreta da vivificação ou regeneração realizada na alma dos eleitos pela operação imediata e sobrenatural do Espírito Santo. Ela pela graça efetua uma mudança da disposição, inclinação e desejo da alma. Segundo Calvino o fato da própria dispensação da vocação eficaz ser resultado da pregação da Palavra e da iluminação do Espírito Santo é uma evidencia de que ela é uma obra da graça divina. [7]
Antes da vocação eficaz e interior de Deus ser recebida, nenhuma pessoa tem inclinação para aproximar-se dele. Todo aquele que é efetivamente chamado tem uma nova disposição para com Deus e reponde com fé. Para Calvino essa eleição não depende nenhum assentimento humano. [8]
Portanto essa vocação se dá por meio de Cristo que foi o nosso Profeta, Sacerdote e Rei, e que fez satisfação por aqueles a quem representava, tanto por sua obediência quanto por seu auto-sacrifício, cumprindo perfeitamente todas as exigências da justiça divina sobre aqueles a quem representa. Por essa razão nossa confiança e certeza da Salvação não habitam em nós mesmos, mas na pessoa de Cristo. Sobre nossa segurança em Cristo, Calvino diz que: “Se buscamos a salvação, a vida e a imortalidade do reino celeste, então há de se buscar também refúgio não em outro, quando somente ele é a fonte da vida, a âncora da salvação, o herdeiro do reino dos céus”. [9]
2. Vocação para o ministério.
Deus por sua livre graça, além de nós chama para fazermos parte de sua família e sermos o povo eleito de seu rebanho, nos chama de igual modo para um ministério especifico na sua Igreja. Calvino diz que:
“Aqueles que presidem ao governo da Igreja, segundo a instituição de Cristo, são chamados por Paulo [Ef 4.11], primeiro apóstolos; em seguida, profetas; terceiro evangelistas; quarto pastores; finalmente, mestres; dos quais apenas os dois últimos têm função ordinária na Igreja, os outros três o Senhor suscitou no início de seu reino, e às vezes ainda suscita, conforme convém à necessidade dos tempos”. [10]
Todos os que estão na obra do Senhor têm que definirem se realmente foram chamados por Deus, para serem pastores de um rebanho, mestres no ensino, servos a disposição, ou se o Senhor o quer em outro ministério. Todavia ninguém deve assumir qualquer oficio sem que seja chamado pelo SENHOR. Esse fator será decisivo para uma profunda auto-realização. Segundo Calvino “para que alguém seja considerado verdadeiro ministro da Igreja, primeiro importa que tenha sido devidamente chamado [Hb 5.4]; então, que responda ao chamado, isto é, empreenda e desempenhe as funções a si conferidas”. [11]
No dizer de Calvino há um duplo chamado ministerial: a vocação interior e a exterior. A interior é de fato “bom testemunho de nosso coração, de que recebamos o ofício outorgado não por ambição, nem por avareza, nem por qualquer outra cobiça, mas por sincero temor de Deus e zelo pela edificação da Igreja”. [12] Esse chamado é provem de Deus e somente dEle e nunca dos homens.
A vocação exterior é a que diz respeito à ordem publica da igreja. Essa diz respeito à eleição de Presbíteros, diáconos e outros ministérios, de modo que, após serem chamados por Deus, são confirmados através da eleição da igreja. Para Calvino “só devem ser eleitos os que professam a sã doutrina e vivem vida santa, que não foram manchados por nenhum vício notório que os faça desprezíveis e seja causa de afronta para o ministério”. [13]
Esse chamado dos ministros deve por sua vez ser pelos presbitérios, no caso de pastores, presbíteros no caso dos ministros da igreja, com a direta aprovação da igreja. Calvino afirma que: “segundo a Palavra de Deus, este é o legítimo chamado de um ministro, quando aqueles que são vistos como idôneos sejam constituídos com o consenso e aprovação do povo; mas a eleição deve ser presidida por outros pastores, para que a multidão não incorra em alguma falta, quer por leviandade, quer por maus desígnios, quer por distúrbios da ordem”. [14]
Finalmente os chamados pelo Senhor, confirmados pela igreja, são empossados no ministério através da imposição de mãos. No caso dos presbíteros pelos presbíteros, e os pastores pelos demais ministros. Porém só se deve participar deste rito de ordenação ministros que já foram ordenados.
3. Vocação para o trabalho e profissão secular.
Um dos maiores legados do Calvinismo à cultura ocidental é uma nova atitude em relação ao trabalho. Para Calvino o trabalho do homem é uma vocação de Deus. E está longe de ser meramente um meio inevitável e um tanto tedioso de se obter as necessidades básicas da existência, é das mais louváveis atividades humanas, pois, o trabalho é uma “bênção de Deus”, e verdadeiramente respeitado e importante ante os olhos. [15]
Ser “chamado” por Deus não implica em se afastar do mundo, mas exige engajamento crítico em cada esfera da vida secular. O trabalho é entendido, assim, como uma atividade profundamente espiritual, um labor socialmente benéfico. A transformação do status do trabalho de uma atividade desagradável e degradante a ser evitada, se possível, para um meio honrado e glorioso de afirmar a Deus e ao mundo que ele criou, é, pois, uma das mais importantes contribuições do Calvinismo à cultura ocidental. [16]
Segundo Calvino em criando o homem, Deus o chama a trabalhar. E que O trabalho é um dos elementos da vocação humana, e, que cada um é chamado para um trabalho especifico e que deve desempenhá-lo com todo o entusiasmo e satisfação. [17] E ele acrescenta dizendo: “Criados foram os homens para fazem algo e... Deus a cada um propicia algum encargo e exercício para que não fiquem ociosos”. [18]
Sendo assim para compreender a vontade de Deus é preciso primeiramente escolher uma profissão em função do serviço a prestar e não do ganho a obter. A vocação profissional deve ser espiritual e com o propósito de servir ao próximo. Para Calvino o uso da arte e da profissão redunde no proveito comum de todos. [19]
Por fim Todos somos vocacionados ao trabalho. As Escrituras nos ensinam que Deus nos criou para o trabalho e que ele faz parte do propósito de Deus para nós. Sabemos que no cumprimento de nossa vocação estamos servindo primeiramente a Deus. Por isso devemos responder ao chamado de Deus e o fazermos unicamente para sua glória. O Apostolo Paulo nos ensina que: "E tudo o que fizerdes, seja em palavra, seja em ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus, dando por ele graças a Deus...”. (Cl. 3.17,22-4.10)
Honremos, pois ao SENHOR com as obras de nossas mãos.
CONCLUSÃO
Deus criou o homem a sua imagem e semelhança, para que ele pudesse conhecê-lo e vivesse para o louvor da sua glória. Essa é a verdade de nosso catecismo quando diz “o fim supremo e principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre”. [20] A queda do homem o tornou depravado e deformou a imago Dei de Deus presente no homem.
Porém, Deus por seu soberano poder e motivado unicamente por sua graça, antes da fundação do mundo, chamou aqueles que são seus para adoção de filhos, e para fazerem parte da sua família. Esta vocação eficaz é limitada somente aos eleitos.
Além de chamar eficazmente para a vida eterna Deus também nos chama para o ministério, e na cosmovisão calvinista todos fomos vocacionados por Deus para um ministério especifico. Somos chamados para servir a Deus e a sua igreja com os nossos dons e talentos e devemos obedecer ao seu chamado e servi-lo, com o único propósito de glorificar o seu nome.
E uma vez salvos e inseridos na família de Deus ele nos chama para cumprir o seu mandato cultural. [21] Somos chamados para cuidar do mundo que vivemos e uns dos outros. Na visão calvinista o trabalho é bênção de Deus e a vocação profissional deve ter uma motivação espiritual e com o propósito de servir ao próximo. Por essa razão o eleito deve ser ético, e justo no seu trabalho secular, refletindo a imagem do criador em suas vida.
Esta verdade está presente nas “As Institutas da Religião Cristã” de João Calvino e é interpretada por Biéler em “O pensamento Econômico e Social de Calvino”, onde podemos encontra um resumo do que Calvino, a vocação de Deus para o homem.
SEMINARISTA JAILSON SANTOS
NOTAS:
1 Ver também: LENZ, Kléos M. Vocação - Perspectivas Bíblicas e Teológicas. Viçosa, MG. Ed. Ultimato. 1999. p. 17 – 22.
2 CALVINO, As Institutas – edição Clássica, Vol III, p.436.
3 Ver também: SPROUL, R.C. Verdades Essenciais da Fé Cristã. Editora Cultura Cristã.
4 CALVINO, As Institutas – edição Clássica, Vol III, p.436.
5 CALVINO, Gálatas, Gl 4.9, p. 128.
6 CALVINO, As Institutas – edição Clássica, Vol III, p.428.
7 CALVINO, As Institutas – edição Clássica, Vol III, p.429.
8 Ibid p.430.
Ver também Confissão de Fé de Westminster Comentada por A.A. Hodge, p.231.
9 CALVINO, As Institutas – edição Clássica, Vol III, p.432.
10 CALVINO, As Institutas – edição Clássica, Vol. IV, p. 48.
11 Ibid Vol. IV, p. 52.
12 Ibid Vol. IV, p. 52
13 Ibid Vol. IV, p. 53
14 CALVINO, As Institutas – edição Clássica, Vol. IV, p. 56.
15 BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. Trad. Luz, Waldyr Carvalho. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 520.
Ver também: CALVINO, A Verdadeira Vida Cristã, São Paulo, Novo Século, 2000, p. 77.
16 Ver também: SANTOS, Gilson. Breve reflexão acerca da ética do trabalho na Cosmovisão Reformada. Disponível em:
17 BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. Trad. Luz, Waldyr Carvalho. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 527.
18 CALVINO apud BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. Trad. Luz, Waldyr Carvalho. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 527.
19 Ibid p. 529
20 ASSEMBLÉIA DE WESTMINSTER. Símbolos de fé: contendo a Confissão de Fé, Catecismo Maior e Breve. São Paulo: Cultura Cristã, 2005. 1ª pergunta.
21 BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. Trad. Luz, Waldyr Carvalho. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990, p. 565.
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