Avaliação crítica: “Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação” (DCDJ).
Avaliação crítica:
“Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação” (DCDJ).
"A doutrina da justificação pela fé é como Atlas:
suporta um mundo em seus ombros,
J.
I. Packer
Em 31 de outubro de 1999, representantes da Lutheran
World Federation (LWF)[1]
e do Vaticano,[2] depois de mais de 30 anos
de diálogo teológico, se reuniram para a assinar a Declaração Conjunta sobre a
Doutrina da Justificação (DCDJ). Este
documento foi elogiado por ambos os lados,[3]
e acelerou ainda mais o aguardado e longo acordo sobre a doutrina da
Justificação entre luteranos e católicos romanos. A DCDJ não se propõe
desenvolver um acordo completo, o próprio documento simplesmente alegou ser “...um consenso em verdades básicas da
doutrina da Justificação” e
traçar um entendimento comum de “Justificação”.[4]
O objetivo da DCDJ é mostra que ambas as igrejas “... estão agora em condições de articular uma compreensão comum de
nossa justificação pela graça de Deus na fé em Cristo...” E que por essa
razão “... os desdobramentos distintos
ainda existentes não constituem mais motivo de condenações doutrinais”.
Nessa linha o Cardeal Cassidy afirmou que a
DCDJ ajuda equilibrar a questão da justificação, pois não coloca muita ênfase
nem sobre o divino, nem o ser humano, mas ao mesmo tempo encontrar uma maneira
de trazer essas duas verdades juntas.[5]
Avaliação crítica.
Ao analisarmos criticamente a DCDJ vemos que sua tentativa de
convergir fé “protestante” com a fé católica, se esbarra na larga divergência
que há entre os pressupostos de ambas. Há um abismo muito grande entre ambas de
maneira que nenhuma ponte terá sustentação necessária para ligá-las. MaCarthur
tem razão quando diz que:
“A diferença entre Roma e os reformadores
não está em teimas sob minuciosidades teológicas. Um entendimento correto sobre
a justificação pela fé constitui o fundamento do evangelho. Não é possível
errar nesse ponto sem corromper junto todas as outras doutrinas. E é bem por
isso que todo "outro evangelho" está sob maldição eterna de Deus”.[6]
Esta breve análise, a luz das
Escrituras e da fé Reformada, tem como objetivo examinar e refutar alguns dos
pontos da DCDJ. Não temos o objetivo de esgotar o assunto, pois mesmo é amplo e
complexo, mas procuraremos responder algumas questões julgadas relevantes como
se segue.
Declaração não é tão conjunta.
Essa declaração conjunta como
qualquer outra ação ecumênica busca uma união no que diz ser “essencial”.
Todavia, ela passa a largo, em questões que são essenciais a fé bíblica sadia.
Ela deixa de lado verdades cridas pela igreja católica como: purgatório,
indulgências, devoção mariana, participação dos santos na salvação, e a
possibilidade de salvação para aqueles que não foram evangelizados. Questões
estas intimamente ligadas a justificação pela fé e logo a soteriologia.[7]
Além disso, é uma união em questões que parecem ser próximas apenas olhadas de
longe, mas quando são observadas atentamente com os óculos das Escrituras
torna-se como preto no branco. Como veremos a frente.
Meias verdades podem ser grandes mentiras. Na DCDJ é possível perceber também um jogo de
termos, que levam a grandes verdades, mas que por estarem polarizadas tornam-se
apenas meias verdades, e logo, grandes mentiras. A fórmula “fé somente” é
atribuída a fé Luterana, mas nunca é concedida pelo lado católico romano.[8] Tanto na prática como na teoria esta não é uma
verdade católica.[9]
Além
disso, palavra justificação sempre é usada em um sentido ambíguo e nunca é
definida biblicamente. A
DCDJ usar o substantivo “justificação” e evitar cuidadosamente (ou até mesmo
sutilmente) o verbo “justificar” e assim oculta à bíblica ideia de “justiça
imputada”. Na maioria das vezes afirma que somos
justificados “na fé”[10]
ao invés de “pela fé” ou “por meio a fé”, que são expressões mais fiéis ao
ensino bíblico reformado da instrumentalidade da fé.[11]
Isso é mais do que apenas uma escolha de palavra, pois ser justificado “na fé”
ou “em fé” pode simplesmente significar que ao fim somos considerados justos
por estarmos na fé, o que pode ser definida pelas virtudes colocadas pela
igreja e não pela Escritura.
No tópico
Justificação como perdão de pecados e ato de tornar justo se ler:
“...Quando o
ser humano tem parte em Cristo na fé, Deus não lhe imputa seu pecado e, pelo
Espírito Santo, opera nele um amor ativo. Ambos os aspectos da ação graciosa de
Deus não devem ser separados. Eles estão correlacionados de tal maneira que o
ser humano, na fé, é unido com Cristo que em sua pessoa é nossa justiça.
...tanto o perdão dos pecados quanto a presença santificadora de Deus.[12]
(destaque meu).
Segundo Bennett esta é uma mistura complicada da doutrina da justificação e
santificação,[13]
e não meramente um problema de semântica. Justificação na Escritura
sempre significa justiça inerente (isto é, “sendo feitos justos”). A justificação do crente não é baseada em um único pingo de
qualquer coisa nele: ela é baseada inteiramente na sua posição em Cristo. Este
é o cerne da questão na DCDJ. Ela divide a obra salvífica de Cristo com a ação
pecadora do homem, ou em alguns casos caminha pelo caminho de toda
carne, sem acrescenta nada à pura e perfeita justiça de Cristo.[14]
Verdades antigas com roupagens novas. No tópico “A pessoa
justificada como pecadora” se ler: “Confessamos
juntos que no batismo o Espírito Santo une a pessoa com Cristo, a justifica e
realmente a renova”.[15] Este não é outro senão o ensino resgatado do Concílio de Trento[16],
a saber: “Se qualquer pessoa disser que pela fé
somente o pecador é justificado, com o sentido de que nada mais seja requerido
para cooperar a fim de obter a graça da justificação... que ele seja anátema”.[17] A verdade bíblica, porém, é que a fé do crente não
pode ser baseada em quaisquer obras físicas do homem, pois até mesmo a
verdadeira fé é trabalho de Deus. Qualquer mensagem que deixe de testemunhar a graça do Senhor e Sua
obra completa é heterodoxia, e assim, pregação de outro evangelho. A justificação pela fé somente é o
único caminho da salvação.
Calvino sobre a ideia de justificação
pela fé somente diz:
Como é
possível que com obras o que é gracioso se enquadre? Além disso, com
que astúcias descartam o que Paulo diz em outro lugar [Rm 1.17]:
que a justiça de Deus se manifesta no evangelho? Se a justiça se manifesta no
evangelho, certamente que ela não é mutilada, nem pela metade; ao contrário, aí
ela é plena e absoluta. Portanto, a lei não tem lugar nessa justiça, nem
prevalecem com seu subterfúgio, não só falso, mas até nitidamente
ridículo, no tocante à partícula de exclusividade – somente.[18]
Conclusão:
Ninguém tem prazer em discórdia. Mas
em nome de um acordo não podemos nos render a meias verdades, polarizadas e
distorcidas. A Igreja de Cristo se quiser manter o evangelho de Cristo de forma
correta e fiel, não pode se dar ao luxo de ignorar as diferenças reais na
doutrina, especialmente, quando essas diferenças interferir tão diretamente
sobre o próprio evangelho. Os
ensinos da ICAR e dos Protestantes representam dois distintos pressupostos
soteriológicos que não são menores em nossos dias do que foram nos dias de
Lutero.[19]
Também,
não podemos nos esquecer, de que qualquer ecumenismo com a Igreja Católica
Romana será unilateral. Na visão ICAR a conversão deve se dá no lado oposto.
Isso fica claro no que ela entende ser “verdadeiro papel desempenhado pela
Igreja Católica no ecumenismo” presente no famoso documento “Dominus Iesus” publicado sob a permissão e o aval de João Paulo
II, pelo cardeal Joseph Ratzinger, presidente da Congregação para a Doutrina da Fé, o ex-“Santo
Ofício da Inquisição” e ex-papa, onde se ler:
“Os fiéis são obrigados a
professar que existe uma continuidade histórica - radicada na sucessão
apostólica - entre a Igreja fundada por Cristo e a Igreja Católica: ‘Esta
é a única Igreja de Cristo’ [...] que o nosso Salvador, depois da
sua ressurreição, confiou a Pedro para apascentar (cf. Jo 21,17),
encarregando-o a Ele e aos demais Apóstolos de a difundirem e de a governarem
(cf. Mt 28,18ss.); levantando-a para sempre como coluna e esteio da
verdade...’”[20] (destaque nosso).
Por
isso, dizer sim ao ecumenismo é dizer não aos esforços dos reformadores em
abandonar o paganismo do qual a Igreja de Roma estava impregnada. Dizer sim ao
ecumenismo é renegar e os escritos dos pré-reformadores e dos reformadores, os
quais foram assinados com os seus próprios sangues. Por isso, dizer sim a DCDJ
é dizer não a justificação pela fé somente. Dizer sim a DCDJ é estar contra não
apenas a Lutero, mas também aos Apóstolos e ao próprio Cristo, pois como diz
MaCarthur, muito antes de Lutero Jesus já defendia a Justificação pela fé
somente.[21]
Finalmente, precisamos também resgatar as
verdades da reforma que têm sido esquecidas com o passar dos anos. O caminho a
fazermos é o caminho do retorno. Martin Lloyd-Jones, comentando sobre a Reforma Protestante,
diz que: “A maior lição que a Reforma tem
a nos ensinar é, justamente, o segredo do sucesso na esfera da igreja e das
coisas do Espírito Santo, é olhar para traz”. Lutero e Calvino, diz ele: “foram descobrindo que estiveram
redescobrindo o que Agostinho já tinha descoberto e que eles tinham esquecido”.[22]
Não é inovação doutrinária que precisamos, mas, volta às velhas doutrinas
esquecidas. Não é fuga da Palavra, mas
volta à Palavra. Não é retorno ao antropocentrismo, mas volta radical ao
logocentrismo!
[1] A LWF é uma organização de 128
corpos igreja luterana em 70 países, representando cerca de 59,5 milhões do
mundo 63100000 luteranos. Todavia, muitas
Igrejas Luteranas, bem como vários Sínodos e vários outros organismos da Igreja
Luterana em todo o mundo não são membros da LWF. Cf. WILKEN, Todd. The
Blueprint for the Gospel? Disponível em: http://www.mtio.com/articles/aissar59.htm#2 Acessado em 24 de maio de 2010.
[2] O Vaticano foi representado
pelo Conselho Pontifício para a Promoção da Unidade dos Cristãos, presidido
pelo Cardial Edward Idris.
[3]
Estes elogios não foram unanimes. Vários líderes católicos e luteranos se
manifestaram contra o documento. Segue uma citação que revela a real crença dos
católicos mais tradicionais. Dom Donald J. Sanborn diz
que é impossível conciliar as explicações, Luterana da doutrina da
justificação, contida na Declaração Conjunta, com a doutrina
católica, definida pelo Conselho de Trento. Portanto deve-se considerar a declaração
conjunta um documento herético, e, consequentemente, considerar todos
aqueles que aderem a ele para ser hereges, pelo menos
objetivamente. Cf. SANBORN, Donald
J. Critical Analysis of the Joint Declaration on the Doctrine of
Justification. Disponível em: http://www.traditionalmass.org/articles/article.php?id=31&catname=15
Acessado em 24 de maio de 2010.
[4]
Cf. A Federação Luterana Mundial e a Igreja Católica, A Declaração Conjunta sobre a
Doutrina da Justificação, § 5
[5] Entrevista de rádio com o Bispo
H. George Anderson, Problemas concedida em 30 de novembro de 1999. Apud Cf. WILKEN, Todd. The
Blueprint for the Gospel? Artigo disponível em: http://www.mtio.com/articles/aissar59.htm#2 Acessado em 24 de maio de 2010.
[6]
MACARTHUR, John; SPROUL, R. C.; GERSTNER, John;
ARMSTRONG, John H. Justificação pela fé somente: a marca
da vitalidade espiritual da Igreja. São Paulo: Cultura Cristã, [1995?]. p. 24, 25.
[7]
Sobre esse assunto ver: Concordia Theological
Quarterly 62 (April 1998): 94. Apud PREUS, Daniel. Luther
and the Mass: Justification and the Joint Declaration. Artigo
disponível em: http://www.mtio.com/articles/bissar92.htm#2
Acessado em: 24 de maio de 2010.
[8]
Federação Luterana Mundial e a Igreja Católica, A Declaração Conjunta sobre a
Doutrina da Justificação, § 5,15-17, 25, 26.
[9] Cf. Anexo à declaração conjunta sobre a doutrina
da justificação. Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/chrstuni/documents/rc_pc_chrstuni_doc_31101999_cath-luth-annex_po.html
Acessado em 24 maio de 2010
[10] Cf. A Federação Luterana Mundial e a Igreja Católica, A Declaração Conjunta sobre a
Doutrina da Justificação, § 5, 9, 16, 17, 26, 31
[11] Ver: O lugar da fé e da obediência na justificação: um apanhado histórico
das discussões reformadas do século XVII Campos-Junior, Heber Carlos de
[Fides reformata, Brasil, 2008 V13 N1 P. 53-69]
[12]
Cf. A Federação Luterana Mundial e a Igreja Católica, A Declaração Conjunta sobre a
Doutrina da Justificação, § 22
[13]
Ver também: HOEKEMA, Anthony A.; MARTINS,
Wandeslau Gomes ; Trad. Salvos pela graça: a doutrina bíblica
de salvação. 2. ed. revisada
São Paulo: Cultura Cristã, 2002. 155 - 189.
[14] Cf. Bennett,
Richard M. The Roman Catholic-Lutheran “Joint Declaration on the
Doctrine of Justification”: A
Denial of the Gospel and the. Disponível em: http://www.the-highway.com/Joint_Declaration.html
Acessado em 24 de maio de 2010
[15]
Cf. A Federação Luterana Mundial e a Igreja Católica, A Declaração Conjunta sobre a
Doutrina da Justificação, § 28.
[16]
Ver: MACARTHUR, John; SPROUL, R. C.; GERSTNER,
John; ARMSTRONG, John H. Justificação pela fé somente: a marca da
vitalidade espiritual da Igreja. São Paulo:
Cultura Cristã, [1995?]. p. 11 – 26.
Ver também: Bennett, Richard M. The Roman
Catholic-Lutheran “Joint Declaration on the Doctrine of
Justification”: A Denial of the
Gospel and the. Disponível
em: http://www.the-highway.com/Joint_Declaration.html
Acessado em 24 de maio de 2010
[17]
Trento, seção 6,
cânone 9.
[18]
CALVINO, João. As Institutas, Trad.
W. C. Luz (são Paulo: Cultura Crista, 1989) II, XI, §19
[19]
Ver interessante análise das diferenças teológicas e litúrgicas entre a igreja
Luterana e Católica, principalmente sobre a missa em: PREUS, Daniel. Luther and the Mass: Justification and the
Joint Declaration. Artigo disponível em: http://www.mtio.com/articles/bissar92.htm#2
Acessado em: 24 de maio de 2010
[20] CONGREGACIÓN
PARA LA DOCTRINA DE LA FE. Declaración
Dominus Iesus sobre la unicidad y la universalidad salvífica de
Jesucristo y de la iglesia. Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_20000806_dominus-iesus_sp.html Acessado em: 25 de maio de 2010.
[21]
Ver: MACARTHUR, John; SPROUL, R. C.; GERSTNER,
John; ARMSTRONG, John H. Justificação pela fé somente: a marca da
vitalidade espiritual da Igreja. São Paulo: Cultura Cristã, [1995?]. p. 11 – 26.
[22] Apud NETO, F. Solano Portela. A Mensagem da Reforma para os Dias de Hoje.
In: MATOS, Alderi Souza de; LOPES, Augustus Nicodemos. Fides Reformata. v.2,
n.2. jul/dez, 1997. p.29.
na minha opinião o protestantismo surgiu atraveis de uma reformação do padre martinho Lutero tendo em vista suas teologias de forma combater a teoligia católica,sendo assim de forma protestante desenvolver uma nova doutrina.Para mim o catolicismo é a mãe de todas as religiões e o protestantismos filhas fundadas por padre martinho lutero
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