Breve panorama histórico das cosmovisões.
Segundo Sire[1] (em “O universo
ao lado”), até o final do século XVII, a cosmovisão teísta foi claramente
dominante. Todos os debates intelectuais deram-se dentro do círculo do teísmo.
Via de regra todos seguiam os pressupostos básicos teísta. Em outras palavras a
fé era a médica de todas as coisas.
Apesar de o teísmo ter durado
tanto tempo, muitas forças operaram para derrubar a unidade intelectual do
Ocidente. Os teóricos deístas dominaram o mundo intelectual da França e da
Inglaterra a partir do século XVII. O período foi marcado discussões
(teológicas e filosóficas) infindáveis.
Deísmo, em certa medida, é uma
tentativa de resposta a estas discussões. Todavia, esta resposta foi muito além
dos limites do cristianismo tradicional. Fator principal para o desenvolvimento
do deísmo foi “uma mudança na localização da autoridade” do conhecimento sobre
o divino, que passou de revelação especial encontrada na Escritura para a razão
encontrada na mente humana. Assim, “a necessidade da razão deu lugar à
suficiência da razão”. (Peter Medawar)
O ponto de partida para essa ideia
foi o reconhecimento de muitos teísta que este é o universo de Deus e mesmo que
está caído, ele ainda tem valor e deve ser estudado.[2] Os cientistas operam
nessa base, começaram a estudar a forma do universo. A imagem do mundo de Deus
surgiu como mecanismo enorme, bem ordenado, um “relógio gigante”.
A guinada que deu a luz ao
problema criado pelo deísmo foi que o método de obtenção de conhecimentos sobre
o universo foi aplicado para obter conhecimento sobre Deus. Com isso, além de
divorciarem-se de Aristóteles como uma autoridade em matéria de ciência, ele
anulou a autoridade revelacional das Escrituras. Deísmo assim vê Deus apenas na
“natureza”, pelo qual foi criado o sistema do universo. E já que o sistema do
universo é visto como um relógio gigante, Deus é visto como a fabricante de
relógio, o qual está distante e alheio a tudo e a todos. Se como dito supra até
o século XVII, com teísmo, a fé era a médica de todas as coisas agora com
deísmo a razão passou a ser a medida de todas as coisas.[3]
Entretanto, deísmo foi apenas um
“istmo” entre os dois grandes continentes (o teísmo e o naturalismo). Assim,
deísmo foi apenas uma fase passageira, quase uma curiosidade intelectual. Se no
teísmo Deus “era” o criador infinito, pessoal e sustentador do cosmos, no deísmo
Ele é “minimizado” e começa a perder sua personalidade, embora ele continue
sendo o Criador e o Sustentador do cosmos, no naturalismo Ele perde sua própria
existência. Se no deísmo a razão foi destacada aqui ela passar a ser adorada.
Se lá a razão era importante, aqui ela é o único critério de verdade.
A existência de Deus passa a ser
de pouca importância porque o Deus que existe é apenas o criador do universo.
Ele não está pessoalmente interessado nele, muito mesmo ser adorado por todos.
É precisamente esta celebração, este sentimento, que marca a transição para o
naturalismo. Assim, se no deísmo a razão passou a ser a medida de todas as
coisas, no naturalismo ela se consagra como ÚNICA medida de todas as coisas.
Como resposta ao naturalismo
nasce o filho tardio do deísmo que é o mesmo prematuro do naturalismo: o
Niilismo. Este é mais um sentimento do
que uma filosofia. Na verdade é uma negação da filosofia, uma negação da
possibilidade do conhecimento, uma negação de que tudo é valioso. Negação até
mesmo da realidade da própria existência. Em outras palavras, o niilismo é a
negação de tudo (a realidade, o conhecimento, a ética, a beleza). Nada tem
validade, nada tem sentido. Ele foi uma resposta desesperada e angustiada ao
mundo do século XX e XXI. Assim, se no teísmo fé era a médica de todas as
coisas, no deísmo a razão passou a ser a medida de todas as coisas e no
naturalismo a razão foi ÚNICA medida de todas as coisas; no Niilismo, como o
próprio nome diz, nada é a razão de todas as coisas.
O deus do século XX gerou uma
nova cosmovisão que veio de parto normal na forma de “gêmeos siameses”. Um
recebeu o nome de “existencialismo ateísta” e o outro de “existencialismo
‘teísta’”. Ambos de mesma essência, mas com mentes separadas. Segundo Sire,
assim como as demais cosmovisões que surgiram desde o início do século XX,
tinha como objetivo principal a “ultrapassar” o niilismo.
Este existencialismo ateu foi um
tema importante em Nietzche (a “vontade de poder” do “super-homem”), que
rapidamente tornou-se distorcida. O existencialismo teísta nasceu Kierkegaard
como uma resposta ou solução a morte da ortodoxia dinamarquesa. Ambos colocaram
a solução para os problemas humanos no seu próprio subjetivismo. Assim, para os
“gêmeos siameses” (existencialismo ateísta e “teísta”) o sentimento subjetivo
era a razão de todas as coisas.
O existencialismo ateísta não
trouxe uma resposta racional (pois desprezou o que é objetivo), o
existencialismo “teísta” é uma boa opção, mas não é atraente. Sem opções no
ocidente, muitos por volta dos anos 60, rejeitaram os valores materialista
advindo do naturalismo ocidental, e movidos por um antiracionalismo, o
sincretismo e uma vida mais tranquila e com muito tempo para a meditação
seguiram em uma transcendente jornada para o oriente, a fim de nesta jornada
aprender a realizar uma de unidade com o cosmos ultrapassando além da
personalidade, do conhecimento e até mesmo do bem e do mal. Assim, nesta
cosmovisão o sentido da vida através do encontro com e no “todo” é a medida de
todas as coisas.
A nova era foi e tem sido a
tentativa de colocar em moldes ocidentais as práticas animistas orientais. Para
que ir ao oriente em busca de transcendência se podemos tê-la em nosso lado e
de acordo com nossos pressupostos? Essa pergunta que motivou o surgimento da
nova era. Popularmente poderíamos defini-la como: “tudo junto e misturado”,
pois ela apresenta uma perspectiva animista com elementos de várias
cosmovisões, como alguns pressupostos naturalistas e existencialistas.
A nova era é uma tentativa de
resposta ao anseio pelo sentido da vida ocidental. Sua mensagem é que “tudo é
Deus”, e que o segredo da felicidade é nós descobrirmos que Deus está “dentro
de nós”, ou que todos somos “Deuses”. Para essa “nova consciência” o eu (alma,
a essência central, integrada de cada pessoa) é a medida de todas as coisas,
pois “atma” é “bramha”.
O Humanismo saiu da arena
principal, o modernismo não conseguiu assumir o seu lugar e o grande gigante
que se levantou para a guerra foi o “pós-modernismo”. Sabemos de onde ele veio,
mas, quem ele realmente é não podemos dizer com clareza. Uns o chama de
“relativismo”, outros de “secularismo”, e há os que o conhece por “pluralismo”.
A verdade é que ele responde por todos esses “ismos”, pois ele próprio prega
uma vida sem identidade. Esse gigante representa uma comunidade sem crença,
tradição e identidade e totalmente perdida. Os ataques são principalmente à
identidade individual e os valores universais.
Essa cosmovisão chegou aos
ouvidos e a vida dos homens após Nietzsche supostamente confirmar a "morte" de Deus. O
pós-modernismo nada mais é senão o resultado levar as últimas consequências seu
pensamento moderno. Além disso, pós-modernismo é de certo modo um resgate de
algumas ideias existencialistas, pois somos nós que fazemos de nós o que
devemos ser. A verdade é aquela que você segue e acredita e essa deve ser no
mínimo “tolerada” e nunca reprovada ou reprimida, pois não há quem seja
possuído da absoluta. Concluindo a linha de pensamento desenvolvida até aqui
podemos dizer que no teísmo, a fé era a médica de todas as coisas; no deísmo a
razão passou a ser a medida de todas as coisas, no pós-modernismo TUDO pode ser
a medida de todas as coisas.
[1] Este panorama histórico tem
como base de pesquisa o livro: SIRE, James W. O universo ao lado: um catálogo
básico sobre cosmovisão. 4. ed. São Paulo: Hagnos, 2009. 380 p.
[2] Uma reação à ideia platônica
que valorizava o espiritual e desprezava o material, adotada por muitos teístas
anteriores.
[3] O deísmo é filho do
iluminismo que nada mais foi senão um retorno a filosofia de Protágoras (c.
480-410 a.C.), o qual, partindo do princípio de que o homem é o senhor e padrão
de toda realidade, conduziu seu pensamento pelo pleno subjetivismo, dizendo: “O
homem é a medida de todas as coisas, das que são enquanto são, e das que não
são enquanto não são”
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