DESCONTINUIDADE ENTRE O HABITAT RESTAURADO E O PRESENTE HABITAT (parte 2)
NÃO HAVERÁ MAIS TENTAÇÃO INTERNA
“Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda
não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se
manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é. E
a si mesmo se purifica todo o que nele tem esta esperança, assim como ele é
puro”. 1 João 3. 2,3
A tentação
não teria a capacidade de afetar os homens, a não ser que houvesse algo já
existente no homem que correspondesse à tentação. O pecado não poderia obter
nenhuma vitória na mente, coração e vida do homem a não ser que houvesse um
inimigo dentro disposto a escancarar a porta ao pecado. O velho homem, então, é
inimigo do lado de dentro e que abre o caminho para os inimigos que estão
forçando a porta pelo lado de fora.[1]
Assim, ainda que a carne tenha sido crucificada com Cristo (Gl 2.20; 3.24;
6.14; Rm 6.2,6,7,22; 8.13), os desejos dela ainda representam áreas de tentação
para os cristãos na presente era (Gl 5.16-18; Rm 6.12-14; 8.5-8).
No entanto,
no Novo Céu e na Nova Terra não haverá lugar paras as inclinações pecaminosas
do nosso coração corrupto. Isso porque a obra de salvação de Cristo é abrangente, envolvendo não só de resgate da
pena e do poder do pecado, mas também da corrupção do pecado. Nós, os que os
que estamos em Cristo olhamos para o dia em que seremos libertos da inclinação
pecaminosa, isto é, tentação interna, existente em nós. No seu retorno teremos
nosso corpo transformado, experimentaremos de sua perfeição e pureza.
A plenitude do
novo homem acontecerá na volta de Cristo
“Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos
de ser...” 1 João 3.2
João deixa claro que apesar da oposição do mundo, já somos filhos de Deus
agora, no entanto, as glórias da nossa
filiação ainda estão ocultas e só serão manifestadas mais tarde. Deus ainda não fez uma exibição pública da glória que
Ele reservou para Seus filhos, da herança incorruptível, sem mácula,
imarcescível, reservada para eles. Em sua primeira vinda, Cristo manifestou a
nossa posição como filhos de Deus, todavia será somente na sua segunda vinda se
manifestará “o que havemos de ser”.
De acordo com o Apóstolo Paulo já temos as primícias do Espírito [que
significa a obra da regeneração que nos habilitou a crer em Cristo para sermos
filhos de Deus], entretanto, “igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a
adoção de filhos, a redenção do nosso corpo” (Rm 1.23).[2]
Temos nessas palavras de Paulo uma descrição do que somos e do que
haveremos de ser. No presente século gememos em nosso íntimo e sofremos por
causa da natureza pecaminosa existente em nós, porque apesar de já sermos
filhos, temos apenas o início da colheita, isto é, “as primícias”. Este termo
veterotestamentário era usado para descrever “os primeiros frutos” dos rebanhos
que eram oferecidos a Deus (Dt 18.4; 26.2; Nm 10.35-37).[3]
Destarte, Paulo assevera que, assim como
nos tempos do Antigo Testamento as primícias eram o início de uma colheita
muito maior que estava ainda por vir, assim o recebimento do Espírito Santo
pelo crente, é o precursor de coisas melhores que hão de vir.[4]
Agora, nós temos o Espírito; após a Parousia, deveremos ter a colheita inteira
que inclui a transformação deste corpo corruptível para um incorruptível, pois
“quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, então vós também, sereis
manifestados com ele, em glória” (Cl 3.4).
A plenitude do
novo homem terá a perfeição de Cristo
“...Sabemos que, quando ele se manifestar,
seremos semelhantes a ele...” 1 João 3.2
Iluminado pela luz da Parousia já acesa em 2.28, o Apóstolo está se
referindo a uma revelação escatológica do caráter final dos crentes. No momento
em que Cristo vier, seremos totalmente e definitivamente santificados. Neste
dia seremos como ele é e o veremos como ele é. Como bem constatou Steven J.
Cole, o apóstolo João tinha visto o Jesus terreno com os seus próprios olhos (1
Jo 1.1). Os crentes têm visto com os olhos da fé (1 Pe 1.8). Os incrédulos, que
vivem no pecado, não têm o visto ou o conhecido (1 João 3.6). Mas, quando Ele
voltar em poder e glória, “todo olho o verá” (Ap 1.7).[5]
No entanto, enquanto os incrédulos verão
quem ele é os crentes serão como ele é. Naquele momento glorioso, eles serão
transformados completamente à Sua imagem por toda a eternidade! Em outras palavras,
o processo de santificação está acontecendo na vida de cada filho de Deus, e
ele está nos moldando a imagem de Cristo, até aquele dia em que finalmente a
conformação será completada e seremos como ele é.
O pecado agora habita em nossa carne (Rm 7:18, 23, 24;. 8:10, 13), por
isso diariamente somos tentados internamente e lutamos para não cedermos aos
seus prazeres. Mas quando nosso Senhor voltar, imediatamente vamos receber
nossos novos corpos ressurretos. Naquele momento, estaremos livres de todo
pecado. Nenhuma passagem das Escrituras parece mais clara quando o assunto é
descontinuidade da natureza pecaminosa do que 1 Coríntios 15. 42-48:
Semeia-se o corpo na corrupção, ressuscita na
incorrupção. Semeia-se em desonra, ressuscita em glória. Semeia-se em fraqueza,
ressuscita em poder. Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual. Pois
assim está escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente. O último
Adão, porém, é espírito vivificante. Mas não é primeiro o espiritual, e sim o
natural; depois, o espiritual. O primeiro homem, formado da terra, é terreno; o
segundo homem é do céu. Como foi o primeiro homem, o terreno, tais são também
os demais homens terrenos; e, como é o homem celestial, tais também os
celestiais.
Nestes versos Paulo contrasta aquilo que somos em Adão e o que haveremos
de ser em Cristo. A origem, a natureza e destino do corpo natural e o corpo
espiritual são entendidos por meio da relação com o “primeiro Adão” (que nos levou
a ruina no Éden) e “o último Adão” (que nos levou a salvação na cruz). Os
versículos 42-44 contrasta nossos corpos terrenos com os nossos corpos
espirituais. Os versículos 45-49 vincular nossos corpos terrestres com o “primeiro
Adão”, e nossos corpos ressuscitados celestiais com Jesus Cristo, o “último
Adão”. Essa conexão que temos com Adão e com Cristo é um ponto crucial para
entendemos quem somos e quem haveremos de ser.
Tanto o “primeiro Adão” como o “último Adão” eram nossos representantes e
arquétipos, por isso suas ações passadas afetam diretamente na vida presente e futura.
O “primeiro Adão”, através do seu pecado trouxe a todos os homens a realidade
da depravação total. Jesus Cristo, o “último Adão”, através da Sua justiça, morte,
sepultamento e ressurreição trará restauração total. Na era presente, ainda
estamos identificando com Adão e seu pecado, na era vindoura nos
identificaremos apenas com Jesus e sua santidade. Como corretamente afirmou
Hoekema:
O homem, em seu corpo atual, relacionado com o
primeiro Adão, é psychikos, natural, pertencente a esta era presente e, por
essa razão, facilmente tentado ao erro. Sem dúvida, a pessoa que está em Cristo
é agora capaz de resistir à tentação, de dizer não ao diabo e de viver uma vida
nova e obediente. Mas a nossa obediência, nesta vida presente, continua
imperfeita; nós percebemos que ficamos bem longe do ideal e ainda necessitamos
diariamente de confessar nossos pecados. Nossa existência futura, porém, será uma
existência total e completamente governada pelo Espírito Santo, de modo que
nunca mais teremos algo a ver com o pecado. Por essa razão o corpo da
ressurreição é denominada de corpo espiritual.[6]
Apesar de sabermos pouco, em termos positivos, como seremos quando Cristo
se manifestar, temos nestes versos paulinos uma descrição, em termos negativos, do que não seremos:
corruptos, fracos e desonrosos e inclinados internamente para o pecado.
A plenitude do
novo homem terá a pureza de Cristo
“E a si mesmo se purifica
todo o que nele tem esta esperança, assim como ele é puro”. 1 João 3.3
A santidade de Deus e do Senhor Jesus Cristo é um tema frequente em 1
João. Em 1. 5, nos é dito que “Deus é luz, e nele não há treva alguma”. Em 2.
1, ele se refere a Jesus como “o justo”, em 2.20 como “o Santo” e aqui como “puro”.
A palavra originalmente se referia a pureza cerimonial, mas ela neste texto
significa “aquilo que é puro no sentido mais elevado”. Refere-se a liberdade de
toda mancha do pecado, especialmente do pecado moral. [7]
Assim, naquele dia glorioso quando veremos Jesus teremos não apenas a sua
perfeição, mas também sua pureza.
João já havia escrito anteriormente que o “sangue de Jesus Cristo seu
Filho nos purifica de todo pecado” (1 Jo 1.9). Agora, ele enfoca a esperança da
purificação completa efetuada pelo mesmo Senhor da glória em nós. Embora a
palavra esperança seja encontrada com frequente nos escritos de Paulo e de
Pedro, este é o único momento em que João usa este substantivo. Estranhamente,
ele não ocorre até mesmo no Apocalipse.[8]
O mais importante, no entanto, é que nos três apóstolos do conteúdo desta
esperança é o mesmo, isto é, um tempo no qual o cristão não mais existirá em um
mundo incrédulo e pagão.
Os crentes esperam, então, o tempo da restauração plena da nossa
humanidade, quando refletiremos Jesus Cristo, segundo a sua humanidade cheia de
pureza.[9]
Como asseverou Hoekema:
Após a volta de Cristo e a ressurreição do corpo, estes
crentes mortos serão capazes de adorar a Deus, servir a Deus e reinar com
Cristo de forma ainda mais rica do que estão fazendo agora. Então eles adorarão
e servirão a Deus por toda a eternidade, numa perfeição sem pecado, com corpos
glorificados na nova terra”.[10]
[1] Cf. BARCLAY,
William. As obras da carne e o fruto do
Espírito. Tradução de Gordon Chown. São Paulo: Editora Vida Nova, 1992, p.
24.
[2] Cf. CAMPOS, Heber
Carlos de. As duas naturezas do redentor:
a pessoa de cristo. São Paulo: Cultura Cristã, 2004. p. 133.
[3] HOEKEMA, Anthony A. A Bíblia e o futuro. 2. ed. São Paulo:
Casa Editora Presbiteriana, 2001. P. 75,76
[4] Ibid
[5] COLE, Steven J. The Purifying Hope (1 John 3:2-3). Disponível
em: https://bible.org/seriespage/lesson-14-purifying-hope-1-john-32-3. Acessado
em 27/12/2014
[6] HOEKEMA, Anthony A. A Bíblia e o futuro. 2. ed. São Paulo:
Casa Editora Presbiteriana, 2001. p. 280
[7] COLE, Steven J. The Purifying Hope (1 John 3:2-3).
Disponível em:
https://bible.org/seriespage/lesson-14-purifying-hope-1-john-32-3. Acessado em
27/12/2014
[8] Ibid
[9] CAMPOS, Heber Carlos
de. As duas naturezas do redentor: a
pessoa de cristo. São Paulo: Cultura Cristã, 2004. p. 135
[10] HOEKEMA, Anthony A. A Bíblia e o futuro. 2. ed. São Paulo:
Casa Editora Presbiteriana, 2001. p. 280
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